segunda-feira, 5 de julho de 2010

Na praia

Está um calor, até na praia desconfortável! Fui obrigada a parar a minha entusiasmante leitura: uma intensa dor instalou-se na minha cabeça pela luminosidade de reflexo tão brilhante que mal conseguia abrir os olhos. Pus os óculos escuros, que detesto pôr na praia e deitei-me, obrigando-me a fechar os olhos, na tentativa de dissipar este mau estar. A sensação de estar na praia, de olhos fechados é qualquer coisa de fascinante, pelo detalhe que nos permite captar o sentido da audição. Os meus olhos são agora os meus ouvidos e, se é possível imaginar a praia da Manta Rota ao domingo, quase tão povoada como a da Nazaré, mais possível é imaginar a panóplia de conversas que, de chapéu em chapéu, de família em família, vão tomando conta deste meu sentido agora apurado:

· pela voz grave e trémula, percebo que se trata de 2 gerontes:
- Hoje a água está mais suja!
- Sim, está castanha e mais fria do que ontem!
(fiquei a saber o estado do mar que hoje, apenas tinha visto de longe e não provado!)

· ouço uma criança a chorar, a chegar perto, o pai vem logo atrás e a mãe, a ralhar:
- sinceramente, é preciso falares assim com o garoto?
- se fazes favor, amaina os teus ânimos e o teu stress… - diz o pai em voz alta que percebi ter-se ido embora pelo comentário, baixinho, proferido pela mãe à avó, não sei de que parte:
- ele já volta, não levou os chinelos, assim que chegar lá acima à rua, vai voltar para trás!
Conta, então, a mãe ao avô, o sucedido, já que a criança não se calara ainda:
- o garoto enrolou-se na onda e assustou-se e o pai achou que ele estava a chorar sem razão: “um homem não chora, estás agora a chorar por uma coisinha de nada!”
(e assim começa um traumazito: ouvi, mais tarde, o menino a dizer que não iria mais ao banho nesse dia e também o avô a dizer-lhe: ”um homem não chora nem tem medo De nada!”. Afinal, estes avós devem ser os paternos!)

· está uma mãe, que não parou, desde que chegou, de ralhar com a filha, por tudo e por nada. Até quando a miúda pediu água, ela respondeu em tom áspero:
- espera um bocado, agora vais secar-te e depois é que vamos buscar água!
- o raio da miúda, nunca pára quieta! (retorquiu o avô, quando a criança apenas começou a mexer nos seus brinquedos de praia)
(afinal, a não ser o meu primo Miguel, que criança sossega na praia?)

· ao lado foi chegando, aos poucos, uma família inteira, cheia de primos e primas, avós e tios e netos, em muito semelhante à Xaleirada. Estava um primo, careca e gordinho debaixo do chapéu que, pelo que ouvi, não é muito fã de ir a banhos, assim como alguém que conheço, mas correspondeu ao desafio da prima:
- oh Marlene! Tu sabes que me levas, só porque és a minha prima predilecta!

· a voz vinha do lado e era uma conversa ao telefone:
- môr, então? Vê lá se apareces! A tua filha já comentou que o mar hoje está como tu gostas. Umas ondas enormes!!!
(ou estive deitada muito tempo alheada da alteração do estado do mar ou então esta gente não sabe o que são ondas enormes, nunca foram à Nazaré! Tive que me levantar e olhar! E assim, a visão tomou novamente as rédeas! O que vale a dor de cabeça foi desvanecendo….)